O amigo fuma? Que tal um cigarrinho especial?
Na primeira noite do Emarpe, quinta 18, parte da platéia foi surpreendida com a indecente pergunta-título desta nota. Foram diversas as reações: Espanto, riso, aceitação... diante da abordagem. Independente do sim ou não, viram sair dos bolsos do insistente assediador duas carteiras, estrangeiras, de cigarro. Ao escolher uma delas, a surpresa: papel reaproveitado à moda dos cigarrinhos de quando guris. Ao desenrolar o escolhido: um poema. E mais um texto provocativo: “Fume, faça a cabeça e passe para outra pessoa. Ajude a espalhar esse vício: A leitura”.
O amigo fuma? Não? Mas chupa!
Na segunda noite, sexta 19, o texto do assédio passa a ser quase sexual. A oferta é um Trident (traident). Se antes os poemas maiores (cordéis de 49 versos) se apresentavam como cigarrinhos de papel, agora eram dobrados, lembrando o chiclete chique. Daí a pergunta-título desta nota. Por fim, sugeria “depois de chupar, lave bem ou cole atrás da orelha, para chupar depois, ou melhor, ofereça para outro chupar”. Somaram uma centena de pedacinhos de papel, contando 33 poemas. Os menores foram categorizados como dropes ou jujuba. Para os pouco leitores.
Indecência, mistério e contexto
Com meu habitual modo de vestir coisas de brechó e cabidelas, por opção de vida (eco-filo-politico-religioso-performático), me apresentei de modo suspeito. Amigos e conhecidos ficaram, inicialmente, com pulga atrás da orelha. Desconhecidos, nem sei. Oferecer cigarro é indecente. Perguntar se chupa, incorre no duplo sentido.
Os poemas, inicialmente, sequer estavam assinados: nosso folclore (porca, lobisomem e homem-nu) era o tema principal. Depois assinados e, no terceiro dia, sábado 21, contextualizados: Emarpe 2010, Agosto, Esperança (...) Evaldo Pedro Brasil da Costa.
A provocação fora proposital. Quase ninguém guardou o poema. Em meio a “semana da cultura”, fiz minha participação solitária e solidária a uma causa que, desde a Semap 1988, venho sonhando em vê-la como política pública. Lei de Incentivo. Pela falta disso, infelizmente não se tem know-how, e corremos o risco de, só na próxima gestão, vivermos outra primeira semana/encontro de arte. Pessimismo de plantão, inveja, improviso, centralização, isolamento. Tudo isso ocorre para o bem e para o mal desses eventos.
Esperança realiza encontro interescolar de cultura
De quinta 18 a sábado 21 de agosto, capitaneado pela diretora do Departamento de Cultura, Socorro Aparecida, da Secretaria de Educação e Cultura, Esperança viveu um Emarpe, Encontro Municipal de Arte Popular, com apresentações nos três turnos.
Tendo em Gasparzinho (Imbirinha Jackson) o show-man da ocasião e Socorro Aparecida como “faz-tudo”, o Emarpe foi divulgado como o primeiro, incorrendo no mesmo equívoco da falta de memória, especialmente dos ocupantes dos cargos de gestão, ou mesmo de instituições da sociedade civil, como foi o caso do 1º Baile à Fantasia promovido pelo Rotary Club de Esperança. Que fez o 1º dele e não o 1º de Esperança.
Apesar disso, o Emarpe foi marcado pelo encontro da rede escolar, através de seus grupos internos de arte e de talentos individuais que as representaram, dentre outras, a EMEF José Souto, o Educandário Menino Jesus de Praga e a EEEF Irineu Joffily, bem como seus concluintes, em barracas, vendendo alimentos para arrecadar recursos para as festas de final de ano.
O Emarpe também poderia se caracterizar como encontro intercomunitários se além da Belo Jardim, hoje bairro, e da Comunidade São Francisco, do Centro, contasse com a participação de representantes de Timbaúba, que tem trabalho notório, e de outros bairros e comunidades a exemplo do Portal, da Zé Lopes e de Massabielle.
Na programação, além dos novos talentos apontados, como Emmanuelle Santos, destaque-se o break dance (hip-hop) do José Souto e o “Quero Mais” da Comunidade São Francisco; a presença da poesia de Calmax Valentim, Rau Memorialista e estudantes. (Lamento o que perdi nas manhãs e tardes e o pouco interesse dos meus alunos concluintes do Irineu; não me arrependo de escolher deixar a Praça da Cultura antes das 22 horas).
A galinha dos ovos de páscoa
Toda Páscoa vemos coelhos circulando, vendendo ovos a qualquer preço. E quanto maior, melhor pra ele, é claro. Tanto quanto para os que ele representa. Os industriais, empresários... e tantos outros na cadeia produtiva.
Outro dia me peguei perguntou por que a galinha desses ovos de ouro nunca aparece. Creio que ela bota, mas o coelho é o garoto propaganda.
Certa vez afirmei para alguns que uma grande diferença entre as duplas Macambira & Querindina e Jerimum & Xique-xique era que o casal fazia literatura popular (escreve) e os outros divulgavam, apesar da verve poética de Carlos Almeida.
Finalmente, no Encontro Municipal de Arte, Fernando Macambira, além de galinha se fez coelho e disse um dos seus poemas (cordel). Começou a decorar para declamar. Carlos Jerimum cantou e tocou além do violão, corações mais sensíveis às questões ecológicas. Parabéns para ambos!
Por fim...
Na linha dos antropólogos que definem tudo que é humano como cultural, em oposição ao natural (da natureza, da criação divina) classificaria esse momento por folclórico-antropofágico, de cultura do povo, pelo 22 de agosto, pelo contra-gosto, pelo ridículo, pelo risível e pelo encantador. Vitória, filha da garota dourada Áurea Serafim, acompanhada de duas amiguinhas cuja memória me escapam os nomes, apresentou a performance “Single Lady”. Antes me diz estar nervosa e suada do ensaio, a amiguinha teme errar, ao que a tranquilizo dizendo que “é só continuar dançando” e recebo um sorriso. A terceira, diante do DVD que não chega à música escolhida, dá de garra do microfone e imita Querindina, trajada de Beyonce.
Apesar dos quase trinta anos que acompanho a peleja dos artistas e artesãos desta comunidade, ainda não perdi a esperança, embora me sinta meio perdido em Esperança.