Poema falado*
Quando os americanos bombardearam Hiroshima, a explosão formou uma pequena supernova, de tal forma que todo o animal, humano ou planta que recebeu os raios desse sol diretamente se transformou instantaneamente em cinzas. E o que sobrou da cidade logo seguiu o mesmo destino. O efeito duradouro dos danos da radiação nuclear fez com que uma cidade inteira e a sua população se transformassem em pó.
Quando nasci, a minha mãe diz que olhei em volta do quarto do hospital com um olhar que dizia "Aqui? Eu já estive aqui antes". Ela diz que eu tenho olhos velhos.
Quando o meu avô Genji morreu, eu tinha apenas cinco anos, mas peguei na mão da minha mãe e disse-lhe, "não se preocupe, ele vai voltar na forma de um bebê". E, no entanto, para alguém que aparentemente já esteve aqui antes, ainda não aprendi nada.
Os meus joelhos ainda tremem quando subo em um palco. A minha autoconfiança pode ser medida em colheres de chá misturadas com a minha poesia, e ainda deixa um sabor estranho na minha boca.
Mas em Hiroshima, algumas pessoas foram varridas, deixando só um relógio de pulso ou uma página de diário. Por isso, não importa se tenho inibições para encher todos os meus bolsos, continuo a tentar, à espera de que um dia escreva um poema que me orgulhe tanto que possa ser exibido num museu como a única prova de que alguma vez existi.
Os meus pais deram-me o nome de Sarah, que é um nome bíblico. Na história original, Deus disse a Sarah que ela podia fazer algo impossível e ela riu, porque aquela Sarah, ela não sabia o que fazer com o impossível.
E eu? Bem, eu também não. Mas eu vejo o impossível todos os dias. O impossível é tentar se relacionar neste mundo, tentar se agarrar aos outros enquanto tudo explode a sua volta... tendo a certeza de que enquanto você fala, eles não estão só à espera da vez de falar: eles ouvem. De que eles sentem exatamente aquilo que você sente ao mesmo tempo em que você sente. É o que almejo cada vez que abro a minha boca: Essa ligação impossível.
Há um pedaço de parede em Hiroshima que foi pintado de preto pela radiação. Mas nos degraus, estava uma pessoa sentada que impediu a radiação de atingir a pedra. A única coisa que resta agora é a permanente sombra positiva de luz. Depois da bomba atômica, os especialistas disseram que demoraria 75 anos para que no solo da cidade de Hiroshima, danificado pela radiação, voltasse a crescer alguma coisa. Mas já naquela mesma primavera, havia rebentos brotando da terra.
Quando eu conheço você, nesse momento, eu deixo de ser parte do seu futuro. Rapidamente me torno parte do seu passado. Mas nesse instante, eu partilho o seu presente. E você, você partilha o meu. E esse é o maior presente de todos.
Então se me disser que eu consigo fazer o impossível, provavelmente vou rir. Não sei se já consigo mudar o mundo, porque sei quase nada dele, e também não sei muito sobre reencarnação. Mas, se me fizer rir e bem, posso até esquecer o século em que estou. Não é a primeira vez que estou aqui. Não é a última vez que estarei aqui. Estas não serão as últimas palavras que vou partilhar.
Mas, por via das dúvidas, estou dando o máximo para acertar desta vez.
*Com ajustes a partir da legenda de vídeo-aula.
Curso Explosão de Poesia. Em veduca.com.br